sábado, 30 de maio de 2009

O desafio de ser índio no Século XXI



Matéria veiculada neste sábado (30/5) no caderno FOLHA TUDO, da Folha do Sul

Legendas: O vice-cacique Renato e Deuzinha com o filho doente

POVOS ÍNDIGENAS DA REGIÃO LUTAM PARA MANTER VIVAS SUAS CULTURAS CENTENÁRIAS


A FOLHA TUDO esteve na Casa de Saúde Indígena (Casai) no dominho, 24, para saber o que pensam os índios desta região no Século XXI. Cerca de 70 indígenas estavam hospedados em quartos de alvenaria, assistidos por enfermeiros, em meio à tranquilidade num ambiente harmonioso, bem cuidado e limpo, com grama, árvores e crianças brincando por todos os lados.

A Casai é mantida pela Fundação Nacional de Saúde, funcionando num espaço amplo e funcional a cinco quilômetros do centro da cidade pela rodovia BR 364 – sentido Vilhena-Porto Velho. Lá, os índios doentes e seus acompanhantes se abrigam enquanto aguardam para o atendimento médico na cidade. Eles se tratam como “parentes” e não registros de atritos entre eles.

O mais falante dentre os que estavam na Casai era Renato Nambiquara, 42, filho de um legendário líder na região de Comodoro (MT): o cacique Lourenço. Renato fala com orgulho do pai já falecido e conta que é hoje o vice-cacique da Aldeia Central Nambiquara, a 30 km do centro de Comorodo, que tem 120 moradores. “Com o Governo Lula, melhorou nossa situação por causa da Bolsa-Família, que começou a beneficiar nós índios; antes só tínhamos a aposentadoria. Conseguimos, com isso, comprar roupas, cadernos, lápis”, afirma Renato, explicando, no entanto, que sua tribo é auto-suficiente na produção de alimentos e de caça. Mas, apesar do Lula “estar sendo bom” – de acordo com o líder – ele defende que índio não deveria votar. “Mas já que temos o título, devemos cumprir com esta obrigação”, pondera. “No geral, fomos comprados e corrompidos pelos políticos. Como que pode aqui nesta região Amazônica não ter pelo menos deputados índios?”, questiona.

O líder nambiquara é veemente quando trata da relação cultural com os não-índios. “Eu não acho certo, por exemplo, participar de festas de brancos, onde tem cerveja, cachaça e a destruição da nossa cultura”. É o mesmo pensamento de Deuzinha Aikanã, 25. Ela luta para manter viva a cultura de seu povo. A jovem é um dos cerca de 70 moradores da aldeia Rio do Ouro, a 150 km de Chupinguaia (RO). “Estou aqui na Casai há 4 anos, desde que meu filho Dienison nasceu”. Ele é excepcional, não fala, não anda, tem problema cardíaco e no esôfago. Precisa constantemente de cuidados médicos e é observado pelos enfermeiros. Logo vai ser operado novamente. Mas, “mesmo afastada este tempo todo da minha aldeia, não gosto de ir à cidade de Vilhena e nem comer coisas de supermercado”, diz Deuzinha. “Para não esquecer da minha cultura, anoto tudo que fui ouvindo de minha mãe e de minha avó, as lendas, os nomes dos bichos, a serventia das ervas medicinais”. Ela estudou até a quinta série.

Em 2009 completa o primeiro centenário da passagem de Marechal Cândido Rondon pela região para a instalação dos postos telegráficos. Tido como “defensor dos povos indígenas”, tal fama é vista com desconfiança. Herói ou bandido? Deuzinha trata de responder ligeiro: “Ele foi um dos trouxeram as doenças como o sarampo e mexeram nas nossas raízes. Que beneficio tivemos?”, aponta.

Deuzinha tem motivos para olhar com desconfiança os não-índios. “Foi um branco, que era madeireiro aqui em Vilhena, que matou meu pai, quando eu tinha 10 anos de idade”. Paradoxalmente, para preservar suas tradições, a índia faz como na cultura dominante: escreve suas memórias em português, apesar de também saber o idioma tradicional. E faz questão de acentuar: “sei um pouquinho de inglês”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário